Tem sim muita pobreza que resiste há 14 horas de trabalho, como eu posso ajudar?
Tem sim muita pobreza que resiste há 14 horas de trabalho. Tem pobreza que resiste há três turnos de trabalho cumpridos por mães, que além do trabalho remunerado, cuidam dos filhos, dos pais e de suas comunidades. Tem pobreza que resiste há jovens dedicados, que largam a escola para complementar a renda da família. Tem até pobreza que resiste aos que estão dispostos a trabalhar horas a fio em funções que ninguém com alguma riqueza quer fazer.
A pobreza resiste. E não porque nos esforçamos pouco, mas porque ela vai além do dinheiro que conseguimos acumular explorando o nosso trabalho. Infelizmente, a pobreza não é alimentada pela preguiça, se fosse, supera-la seria simples. A pobreza é alimentada por um ciclo bastante mais complexo que este, é multidimensional, como aprendi assim que entrei na TETO. Ela resiste pela falta de estruturas mínimas, de um abrigo com chão, luz e saneamento, pela falta de tempo para estudo, formação, planejamento, sonho. A pobreza resiste pela falta de acesso a tratamentos de saúde, pela falta de comida garantida, pela falta de atenção que damos a ela.
Talvez, os que me seguem nessa em outras redes achem tudo isso óbvio. Mas, ontem me deparei com um post polêmico (já um pouco antigo, em termos de redes sociais) em que um influenciador de finanças defende a máxima contrária. Segundo uma citação compartilhada por ele, não há pobreza que resista há 14 horas de trabalho. Confesso que até entre ambientes ultra privilegiados eu desconfio dessa máxima. Fosse assim, quem trabalha mais e é menos eficiente, seria mais rico. Mas, não acho que essa seja a questão principal. A pergunta que quero deixar aqui é: o quanto uma máxima como essa, inspira o esforço e a resiliência e o quanto ela alimenta o desconhecimento sobre a realidade de pobreza que atinge hoje 30% da população brasileira?
Eu sei, eu sei. O país não vai ficar imediatamente mais pobre porque influenciadores focam no seu público e postam conteúdos que ignoram a realidade dos que não o seguem - e nem teriam como. Mas, lembro que cultura e senso comum se constróem assim: conversa a conversa, post a post, filme a filme, propaganda a propaganda... Por isso, me sinto obrigada a vir aqui e provocar: já pensou se fosse o contrário? Se o influencier tivesse coragem de informar seus seguidores que tem pobreza que não resiste, mas que tem pobreza que sim, resiste a 14 horas de trabalho? Já pensou se ele alertasse do quão absurdo é isso? O quão urgente é resolver esse problema? Se ele questionasse o que cada um poderia fazer para transformar essa realidade?
Eu sei, eu sei. Assim talvez ele não vendesse tantos cursos na semana seguinte, alguns alunos poderiam entender que não é possível cumprir suas metas e assim por diante. Mas, que ia ajudar a gente a viver em uma sociedade verdadeiramente rica, isso eu não tenho dúvida. *Por que se tem uma coisa que a pobreza não resiste (ou não resistiria) é ao coletivo.*
Como posso ajudar?
Para ajudar a transformar a realidade de pobreza em que vivem milhares de pessoas no Brasil, comece por aqui:
Apoie organizações focadas em ações coletivas, feitas junto com comunidades, pela superação da pobreza. A TETO Brasil é uma delas, mas há várias outras.
Reflita sobre o quanto você paga pelos serviços que contrata. Você conseguiria viver com esse dinheiro? É possível pagar mais? Se o preço não for justo, mude.
Exija políticas públicas que priorizem as populações que hoje vivem em comunidades hiper-vulneráveis.
Coloque a Equidade à frente da Igualdade. Quando for preciso escolher, não avalie apenas se os critérios de escolha são iguais para todos, mas se as pessoas que estão disputando estão partindo do mesmo lugar.
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